quarta-feira, 22 de abril de 2009

Minhas Memórias

Neste momento, enfrento um nada que é este papel. Tento tirar as palavras do pensamento e colocá-las aqui.

Agora tenho o pretexto deste memorial. Estou aqui do lado de fora da página e me colocando dentro dela, expondo-me.

Escrevendo, as recordações se tornam palpáveis como uma foto. Para tê-las ali, torná-las presente.

Nunca soube por quê mas sempre gostei de “lembrar das lembranças” como se o meu pensamento fosse uma terceira dimensão- e eu pudesse enxergá-lo em todos os ângulos.
Num destes ângulos estou aprendendo a ler por caminhos e palavras que iam e vinham da cartilha de minha irmã, Gladys. A alfabetização teve início em casa. Onde minha mãe com um papel contendo um círculo no meio, vazado, me fazia adivinhar as letras, as palavras. E no meio de tantas figuras e letras sempre trocava o H do homem com o M da mala ,que ele carregava, e que era tão significativo para mim ( o que teria naquela mala? Por que o homem vai embora?) Perguntas não respondidas , só pensadas.

As palavras ficavam plenas de vida. E ali nas figuras estava a própria vida, nada mais, nada menos. Era preciso que as palavras aceitassem avançar para que eu pudesse continuar a trilha-lição.

“Tem que aprender antes de ir para a escola para não dar trabalho a professora”-dizia minha mãe.Sábia mãe!

Meu pai tinha um fascínio por dicionários, passava horas e horas lendo e tirava, vez em quando, uma palavra difícil pra gente adivinhar.



Isto me deixava curiosa a ponto de estar com aquele livro grosso, pesado,com folhas amareladas a folhear. E aos poucos fui percebendo que as letras da cartilha estavam ali.

Depois que descobri o encanto da leitura, lia tudo.Cheguei a fazer um poema com as palavras do dicionário:
Vento,
folha,
papel,
cai poesia.
Ficou engraçado,meu pai riu um bocado e gostou.

Outro ângulo de lembrança me leva á casa de meu tio Gurinha, grande leitor das revistas Seleções; lá ele tinha uma estante onde era arrumada ,por mês, muitas revistas e ali passou a ser o meu recanto de leitura.Passava tardes e tardes lendo.Adorava as “Piadas de caserna”, “Flagrantes da vida real”, “Rir é o melhor remédio” além dos artigos, que eram muito interessantes. Descobri que quanto mais eu lia mais tinha ideias para escrever, e passei a escrever mensagens, fiquei conhecida como aluna-poeta. Era um título que gostava e passei a ler mais ainda para ter ideias e continuar escrevendo as mensagens que me pediam.

(Estou aqui tentando soltar as palavras como cão procurando seu dono.)
Noutro ângulo está a minha escola, Escola Conselheiro Junqueira Aires, início do aprender sistematizado. Calça azul, blusa branca com um escudo plástico, transparente, onde lia-se o nome da escola e o seu logotipo ( forma de bandeira e livro).

Trimmm!!! A sineta chamava para a sala, as lições, as brincadeiras de rir , de chorar, sempre juntas, donos dos nossos mundos-ilusão.

Poucas imagens me restam: a biblioteca com mesas e cadeiras em ordem, prateleira com livros expostos para olhar, pegar, encantar. O corredor comprido e a sala...grande, com carteiras arrumadas em fileira, um grande quadro de lado a lado da parede, giz, apagador...

Aula de Português: Professora leitora, voz mansa, afetiva. Nos levava a fazer viagens nos livros, disputa para quem lia mais.Líamos poesias ( lembro-me de “Café com pão, café com pão.., (Manuel Bandeira), histórias, contos..e regras gramaticais.Mesmo no meio de tantas regras gramaticais, éramos felizes porque ali era a vida: de novidades,de textos,de histórias, de sonhos.

A professora levava para sala vários livros de histórias para empréstimo e anotava a data da devolução. Eu sempre atrasava..gostava de ler o livro mais de uma vez.A primeira vez, lia por curiosidade, para conhecer a história. A segunda vez, para me deliciar...ler e reler as partes que mais gostava, imaginar outro final da história, etc.

Gostava também de misturar histórias: “Por que o lobo mau em vez de comer a vovozinha não comia a madrasta da Bela Adormecida?” Ia misturando e inventando novas histórias.

Aula de matemática, sabatina! Em círculo, com as mãos e os dedos estirados( para não contar), jogo de perguntas e respostas.

Até que chega a hora da alegria e da fantasia: recreio com suas merendas( banana real, cavaco, acarajé, picolé, pastel, alfélis,etc..) ; álbuns de figurinhas.
Brincadeias...elástico, uni,uni, dê, pega-pega.

Músicas: Terezinha de Jesus de uma queda foi ao chão...; Alecrim. Alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado...

Como o tempo andou depressa! Gostaria de estar de novo naquela escola, estar ali por querer estar, sem nada para fazer ou cumprir. Escola pra mim era troca, novidades, alegrias ( apesar das sabatinas).

A leitura é a luz para os meus olhos e a lanterna para os meus pés que me conduz a caminhos novos e encantados.

Procurar lembranças no fundo do tempo é sempre cair de novo em mim mesmo.

Grace Motta. Em 05 de abril de 2009

Um comentário:

  1. Excelente texto, parabéns! Escrever um memorial é reviver e compartilhar emoções,em seu texto percebi/ senti muita emoção. Obrigada por compartilhar conosco suas vivências e seu gosto pela leitura. Nos veremos sempre por aqui, abraços e muito sucesso.

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